quinta-feira, 5 de maio de 2016

Mar? Ou Oceano?


“Assim fomos abrindo aqueles mares
que geração alguma não abriu…”
(Luís de Camões)

Em linguagem corrente, mar e oceano confundem-se muitas vezes, sendo estes dois termos usados indiscriminadamente. Desde cedo, na escola, a partir da geografia, interiorizámos que os oceanos são grandes e profundos e que os mares são mais pequenos, menos profundos, ladeando os continentes e, normalmente, sem limites que os separem daqueles.
O termo mar chegou-nos do latim mare, a parte líquida do Mundo, em oposição a terra, sólida. Esta dualidade foi julgada existir no nosso satélite natural, cujas planuras basálticas, escuras, foram vistas como maria (mares, no plural), ao contrário das regiões montanhosas, anortosíticas, mais claras, designadas por terræ (terras, no plural).
O termo oceano chegou-nos do grego okéanos, através do latim oceanus, o grande mar.
De utilização mais erudita, traduzindo a ideia de mar ou de oceano, o termo grego thalassa encontra-se, por exemplo, na expressão talassoterapia, o tratamento de certas enfermidades através de banhos de mar.
Pantalassa foi o nome dado ao oceano único que rodeava a Pangea no final do Paleozóico. Talassografia e Talassologia são sinónimos menos comuns de Oceanografia e Oceanologia, respetivamente.
Se alguns mares são bem definidos por estrangulamentos, como é o caso do Mediterrâneo (estrangulado pelo canal de Suez), do Mar Negro (pelo Bósforo), do Mar Vermelho (pelo Bab-el–Mandeb) ou do Mar Báltico (pelo Skagerrak), outros são totalmente abertos ao largo, como são os mares do Norte, de Bering, das Caraíbas, da China, do Japão e outros.
Outras extensões marinhas poderiam, igualmente chamar-se mares, mas a tradição refere-as como golfos, alguns bem conhecidos, como o Golfo da Gasconha (ou da Biscaia), o Golfo do México, o Golfo Pérsico, o Golfo de Bengala.
O Mar Cáspio é hoje um lago, grande entre os maiores. À semelhança do Mediterrâneo, é o que resta do antigo oceano Tethys ou Mesogea, na sequência da colisão das Placas Africana e Eurasiática. Excetuando este e o Aral, com a mesma origem e também ele um mar residual, todos os mares e oceanos da Terra estão ligados entre si numa única massa líquida a que chamamos Oceano Global.
Perfazendo cerca de 71% da superfície do planeta, representa mais de 97% da água livre superficial e subterrânea. Nesta ambiguidade, também as expressões domínio marinho e domínio oceânico se confundem.
No intuito de ultrapassar a ausência de definição dos termos mar e oceano, tanto no discurso vulgar como no erudito, têm surgido no glossário geológico expressões como mares epicontinentais ou mares marginais, aludindo aos mares pouco profundos, na periferia dos continentes.
Com o mesmo propósito, o restante domínio marinho, o mais profundo e afastado dos continentes, passa a ser designado, não apenas por domínio oceânico, mas por domínio oceânico profundo, domínio onde se situam as bacias oceânicas profundas, duas expressões assim adjectivadas para fugir à citada ambiguidade.
Para os gregos, o Mediterrâneo era o mar onde navegavam, um mar rodeado de terra, no meio de terra, a que chamaram Tétis (Tethys), o nome da deusa, esposa de Oceano, o deus do “grande rio que corre em torno da terra”, para lá das Colunas de Hércules (Estreito de Gibraltar).
O “grande rio” era o Oceano Atlântico, o único que conheciam. Esboça-se, já aqui, neste saber clássico, a diferença entre o mar, algo confinado à terra, e o oceano sem fim nem fundo, para lá de onde ela se acaba.
Recorde-se que o nome Atlântico dado a este oceano pelos romanos, alude a Atlas, o nome da cadeia de montanhas do Norte de África, para lá da qual se abria o mundo sem fim que se conhecesse.
Atlas, recorde-se, era o gigante da mitologia grega que transportava o Mundo (incluindo a esfera celeste) às costas, mais tarde petrificado naquelas montanhas.
O mar, no sentido de oceano, é um sistema dinâmico e complexo, alimentado por forças incomensuráveis que quase nunca dominamos, cuja acção sobre o litoral busca, constantemente, um equilíbrio de coexistência nunca alcançado à escala do tempo geológico, embora aparentemente estável no tempo de vida humana.
O estudo científico dos mares, incluindo o dos seus fundos, desde as faixas litorais às profundidades ultra-abissais, teve início no século XIX com o navio oceanográfico Challenger, nas suas viagens de circum-navegação entre 1862 e 1939.
Este estudo, em grande parte resultante de cooperação internacional, foi continuado, após a II Guerra Mundial, com o apoio de vários navios de diversos países, entre os quais se destacou o Glomar Challenger, bem equipado com material científico e de sondagens nos grandes fundos oceânicos, um laboratório flutuante que navegou e operou até finais do século XX.
Este outro navio oceanográfico cumpriu um importante programa, conhecido pela sigla DSDP (Deep Sea Drilling Project), tendo-se-lhe seguido o navioJoids Resolution, com o Ocean Drilling Project (ODP), igualmente em apoio a projetos internacionais essencialmente na área da geologia marinha.
Portugal aderiu a este Projeto, através de um convénio assinado pelo então Ministro da Ciência e da Tecnologia, para nós, cientistas, nunca esquecido Prof. Mariano Gago.
Centenas de perfurações e milhares de testemunhos de sondagens, estudados ao pormenor, dão-nos hoje uma visão bem mais ampla e precisa do que a que tínhamos em meados do século XX. A Geologia Marinha, ou Oceanografia Geológica , é hoje uma disciplina científica bastante desenvolvida, sendo interessante assinalar que foi a partir do estudo dos fundos oceânicos que se encontrou a explicação da dinâmica global da Terra, hoje bem interpretada na Teoria da Tectónica de Placas.
Também os conhecimentos que hoje dispomos acerca da sedimentogénese marinha têm-nos permitido conhecer o significado da grande maioria das séries e sequências sedimentares litificadas, das mais antigas (Pré-câmbricas) às mais recentes, que integram a crosta continental.
Nesta caminhada, a sedimentologia experimentou novos caminhos com a utilização de sonars, amostradores de sedimentos, obtenção de imagens através do ROV (Remote Operate Vehicle), reflexão sísmica contínua, mergulhos tripulados em submersíveis especiais e sondagens em quaisquer tipos de fundos.

Autor: António Galopim de Carvalho
Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva


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