sexta-feira, 30 de outubro de 2015

A Gronelândia está derretendo


O sol da meia-noite ainda brilhava à 1h por toda a extensão brilhante do manto de gelo da Gronelândia. Brandon Overstreet, um candidato ao doutoramento em hidrologia pela Universidade do Wyoming, abriu caminho pela paisagem congelada, prendeu o seu arnês a uma âncora no gelo e arrastou-se até a beira de um rio, que corria até uma enorme abertura.
Se ele caísse ali, "a taxa de morte é de 100%", disse o amigo de Overstreet e também investigador, Lincoln Pitcher.
Mas a tarefa de Overstreet, que é recolher dados críticos do rio, é essencial para a compreensão de um dos impactos mais importantes do aquecimento global. Os dados científicos que ele e uma equipa de seis outros investigadores estão recolhendo aqui podem vir a produzir informação reveladora sobre a taxa com que o derretimento do manto de gelo da Groenlândia, um dos maiores pedaços de gelo e que mais rápido está derretendo na Terra, elevará o nível dos mares nas próximas décadas. O derretimento pleno do manto de gelo da Gronelândia poderia elevar o nível dos mares em cerca de 6 metros.
"Nós cientistas adoramos sentarmo-nos diante dos nossos computadores e usar modelos climáticos para fazer essas previsões", disse Laurence C. Smith, chefe do departamento de geografia da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, e líder da equipa que trabalhou recentemente na Gronelândia. "Mas para realmente saber o que está acontecendo, esse tipo de entendimento só é possível por meio de medições empíricas em campo."
Por anos, os cientistas estudaram o impacto do aquecimento do planeta nos mantos de gelo da Gronelândia e da Antárctida. Mas, apesar dos pesquisadores contarem com imagens por satélite para rastrear os icebergs que se desprendem, e criarem modelos para simular o degelo, eles contam com pouca informação em solo, de forma que têm dificuldades em prever precisamente quão rapidamente o nível dos mares se elevará.
A pesquisa deles poderá produzir informação valiosa para ajudar os cientistas a determinar quão rapidamente o nível dos mares se elevará no século 21, e como as populações de áreas costeiras, de Nova York a Bangladesh, poderão planear para a mudança.
Mas a pesquisa está sob crescente ataque de alguns líderes republicanos no Congresso, que negam ou questionam o consenso científico de que as actividades humanas contribuem para a mudança climática.
Liderando o ataque republicano no Capitólio está o deputado Lamar Smith, do Texas, o presidente do comité de Ciência da Câmara, que tenta cortar 300 milhões de dólares do orçamento da Nasa (sigla em inglês da Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço dos Estados Unidos) para ciências da Terra e iniciou um inquérito sobre cerca de 50 subvenções da Fundação Nacional de Ciências. Em 13 de Outubro, o comité intimou cientistas da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional, exigindo a entrega de mais de seis anos de deliberações internas, incluindo "todos os documentos e comunicações" relacionados à medição pela agência da mudança climática.
Quaisquer cortes podem afectar directamente o trabalho de Smith e sua equipe, que são financiados por uma subvenção da Nasa de três anos, no valor de 778 mil dólares, que deve cobrir tudo, incluindo os salários dos pesquisadores, voos, alimentação, computadores, instrumentos científicos e de camping, equipamento de segurança e para clima frio extremo. Todo o cientista, disse Smith, está ciente de que a pesquisa custa "uma quantidade tremenda de dinheiro do contribuinte".

Preparação para o trabalho

Em Julho, a equipe de Smith chegou a Kangerlussuaq, Gronelândia, um posto avançado empoeirado de 512 habitantes na costa sudoeste da ilha, que serve como base para os pesquisadores se prepararem para o trabalho de campo no manto de gelo.
Os cientistas estavam empolgados, mas ansiosos, enquanto preparavam-se para viajar de helicóptero ao interior para realização do trabalho de campo no centro de sua pesquisa: por 72 horas, de hora em hora, eles monitorizavam uma linha divisória de águas sub-glaciais, realizando medições – velocidade, volume, temperatura e profundidade – na margem congelada do rio.
"Ninguém nunca recolheu um conjunto de dados como este", disse Asa Rennermalm, uma professora de geografia do Instituto do Clima da Universidade Rutgers, que está comandando o projecto juntamente com Smith, para a equipe durante um almoço de hambúrgueres no café do aeroporto de Kangerlussuaq.
A realização de cada medição é tão difícil e perigosa que exige dois cientistas de cada vez, ela disse. Eles teriam que planear um horário de dormir para assegurar que um grupo sempre estivesse desperto para realizar o trabalho. Todos sabiam que a equipe trabalharia rio acima do "moulin" – a abertura,  que arrastaria qualquer um que caísse nele até as profundezas do manto de gelo.
Na manhã antes da partida, a equipa reuniu-se num hangar para empacotar equipamento e provisões: tendas, camas de metal desmontáveis, geradores, picaretas, ponteiras, refeições desidratadas, uma variedade de instrumentos científicos, frascos para amostras de neve, gelo e água e uma geladeira para transporte das amostras aos laboratórios nos Estados Unidos.
O helicóptero descolou com o equipamento da equipe pendurado numa rede. Os cientistas olhavam para a superfície aparentemente sem fim de gelo, sob o helicóptero, se espalhando em todas as direcções, riscada por rios e lagos verde azulados. Após um voo de 40 minutos, o piloto tocou o helicóptero cautelosamente no gelo, para assegurar que era duro o suficiente para pouso.
Ao desembarcarem, os cientistas foram atingidos pelo frio do verão da Groenlândia – de -32ºC a -4ºC enquanto estiveram lá – um vento constante e o brilho do sol.
Enquanto os investigadores montavam o acampamento, Overstreet, o estudante de doutoramento da Universidade de Wyoming, seguiu para o rio, em silêncio enquanto atravessava o gelo. Mais do que qualquer outro membro da equipa, o sucesso da missão dependia dele.
Overstreet, 31 anos, que cresceu praticando caiaque e rafting no Oregon, projectou o complexo sistema de corda e polias – baseado nos sistemas de resgate para botes – que seria crucial para a recolha de dados nas águas traiçoeiras. Antes de vir para a Gronelândia, ele passou meses aperfeiçoando e testando seu sistema de cordas nos rios no Wyoming.

No gelo

A equipa logo iniciou o trabalho. Um piloto de helicóptero transportou dois dos colegas de Overstreet, Pitcher e Matthew Cooper, para o outro lado do rio de 18 metros de largura. Na margem oposta, eles perfuraram o gelo, prenderam uma âncora e prenderam-se a ela por segurança. Eles prenderam uma corda de nylon à âncora, com o restante da corda enrolada numa sacola pesada.
Agora vinha a parte crucial: os homens se revezavam atirando a sacola para o outro lado do rio, mas ela caia repetidas vezes na água. Após ansiosa meia hora, Cooper finalmente conseguiu que a corda chegasse ao outro lado. Overstreet pegou-a e começou a montar o sistema de corda e polia que testou por tanto tempo.
À beira do acampamento, Johnny Ryan, um candidato ao doutoramento em geografia pela Universidade de Aberystwyth, no País de Gales, lançou um drone em formato de avião com um dispositivo, e então o guiou por uma área de quase 195km². Mas então o drone deixou de transmitir. "Ele parou de se comunicar comigo e agora deve ter caído no gelo", disse Ryan.
Ryan, que usava um gorro cor de rosa e óculos púrpuras que destacavam sua barba ruiva, lançou o drone substituto. Sentindo-se stressado, ele monitorizou o voo nervosamente enquanto as horas passavam, bebendo canecas de chá para se aquecer.
À margem do rio, Overstreet e Pitcher iniciaram a recolha de dados prendendo um dispositivo computorizado que parecia uma prancha de bodyboard à corda que atravessava o rio. De hora em hora eles o enviavam de um lado a outro para medição da profundidade, velocidade e temperatura da água.
Mas enquanto a luz do dia avançava noite adentro, a bateria do dispositivo, alterada pelo frio, começou a falhar. Àquela altura o sol estava mais baixo, preenchendo o céu com um brilho cor de laranja espectacular. Os cientistas estavam preocupados – o esgotamento da bateria significaria o fracasso de sua missão.
Uma ideia ocorreu a Overstreet. Ele encontrou um rolo de manta prateada isolante no campo e a enrolou em volta da bateria da prancha. Na passagem seguinte por sobre o rio, ela permaneceu funcionando.
Mas a carga da bateria continuava caindo, de modo que Pitcher retirou os aquecedores de mão de suas luvas e os inseriu na bolsa da bateria. Sucesso. A bateria permaneceu aquecida e funcionando.
Por três dias e três noites, os cientistas continuaram realizando as medições no rio, enquanto até 1,6 milhão de litros de água por minuto saía do gelo e era despejado na abertura. Na manhã final, a equipa, cansada, mas exultante, reuniu-se à beira do rio enquanto a prancha realizava a sua travessia final. Àquela altura, o drone reserva de Ryan concluiu em segurança a sua missão de mapeamento. Overstreet abriu a sacola comemorativa de mangas desidratadas – um deleite luxuoso para os campistas no gelo.
"É difícil fazer a escolha de participar de projectos como este, mas tudo na minha vida me preparou para vir aqui", disse Overstreet. "Nós passamos de lutar contra o rio a trabalhar com ele, e então aprendemos muito com ele".
Fonte: UOL.

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